Rieko Tamaki, hoje com 91 anos, relembra os horrores da guerra e pede que o mundo escolha o caminho da diplomacia e do diálogo.
Aos 91 anos, a japonesa Rieko Tamaki carrega na memória as cicatrizes da guerra. Ela tinha apenas 10 anos quando sobreviveu à Batalha de Okinawa, um dos confrontos mais sangrentos da Segunda Guerra Mundial. O conflito matou milhares de civis e deixou marcas profundas na ilha japonesa.
No último dia 22 de junho, véspera do Dia Memorial de Okinawa, Tamaki visitou o Monumento Mange-no-to, na cidade de Itoman, para homenagear seus familiares que perderam a vida durante os combates.
“Não há provas, mas acredito que meu avô está enterrado aqui”, disse ela em oração, olhando para o monumento. Em lágrimas, perguntou em voz baixa: “Será que você conseguiu reencontrar nossa família no outro mundo?”

⚔️ Fuga, perdas e sofrimento
A história de Tamaki é marcada por uma série de tragédias. Ainda em 1944, sua família — que era composta por 10 pessoas — começou a fugir após o bombardeio que destruiu o hospital onde seu pai trabalhava, em Naha. Sua mãe havia morrido antes da guerra. Pouco depois, seu pai e seu tio foram convocados para o exército.
No dia 1º de abril de 1945, tropas dos Estados Unidos desembarcaram na ilha de Okinawa. Na esperança de reencontrar seu pai, a família seguiu para Shuri, onde estava o quartel-general do exército japonês. No entanto, foram impedidos de permanecer em uma caverna militar. Naquela mesma noite, sua avó materna, tomada pelo desespero, tirou a própria vida.
Enquanto buscavam abrigo na vila de Kochinda, uma explosão matou uma amiga de infância de Tamaki e feriu gravemente seu irmão, que teve o braço arrancado. Ele morreu horas depois, repetindo com fraqueza: “Quero água…”
O sofrimento não parou. Durante uma tentativa de se proteger em um galpão, seu avô foi baleado e, mesmo gravemente ferido, ainda tentou proteger a família antes de tirar a própria vida para não ser um peso. Pouco depois, sua avó paterna também morreu em um bombardeio.
Restavam apenas sua tia e um primo, ambos feridos. Sua tia, já sem conseguir andar, olhou para Tamaki e disse:
“Fuji. Corra. Sobreviva.”
Sozinha, cercada por corpos, a menina acreditou por um tempo que era a única sobrevivente da ilha. Até que, ao entardecer, viu alguém se movendo e correu para se juntar a essa pessoa desconhecida. Juntos, sem sequer trocarem nomes, permaneceram escondidos.
Dias depois, um homem percebeu que os aviões de guerra tinham sumido. Subiu até o topo de um morro e gritou:
“Ei, a guerra acabou!”
Tamaki então viu, aliviada e incrédula, dezenas de pessoas saindo dos escombros e dos esconderijos. “Eu não acreditava que tantos haviam sobrevivido”, lembra ela, emocionada.
Após o fim da guerra, ela reencontrou a tia, que milagrosamente sobreviveu. Mas recebeu a confirmação de que seu pai estava morto. As duas foram as únicas sobreviventes da família.
Até hoje, Tamaki convive com traumas profundos, especialmente por não ter conseguido dar água ao irmão em seus últimos momentos. Ela só consegue dormir com ajuda de remédios.
🕯️ Uma voz pela paz
Apesar das dores, Rieko Tamaki transformou sua história em um alerta para o mundo. No início de junho, ela se encontrou com o Imperador Naruhito, a Imperatriz Masako e a Princesa Aiko, compartilhando suas memórias e reforçando a importância da paz.
Diante dos conflitos atuais, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e os embates entre Israel e Hamas, ela deixou um recado claro:
“Quando uma guerra começa, o futuro fica incerto. A guerra nasce da ganância dos países. Por isso, é preciso agir antes. Diplomacia, cooperação econômica e intercâmbio cultural são os caminhos que podem evitar um novo sofrimento.”
📜 Memória que não pode ser esquecida
O apelo de Tamaki ecoa não só em Okinawa, mas em todo o Japão e no mundo. O que ela viveu há 80 anos é um lembrete urgente de que a paz precisa ser construída todos os dias, antes que seja tarde.
As celebrações do 80º aniversário em memória ao fim da Batalha de Okinawa foram realizadas em Itoman, na ilha ao sul do Japão neste final de semana.