Cresce o alcoolismo entre mulheres no Japão e expõe estigma e falta de apoio

Sob pressão social e emocional, número de mulheres japonesas com dependência alcoólica aumenta, enquanto programas de recuperação voltados ao público feminino ainda são escassos.

Em contraste com a imagem culturalmente difundida dos “salaryman” japoneses relaxando após o expediente com copos de saquê e cerveja, uma realidade silenciosa começa a emergir no país: cada vez mais mulheres estão desenvolvendo padrões perigosos de consumo de álcool, e muitas estão se tornando dependentes.

A farmacêutica Shino Usui, de 48 anos, que coordena um grupo de apoio à recuperação de alcoólatras em um hospital na região oeste do Japão, vivenciou essa transformação de perto — tanto pessoal quanto profissionalmente. Ex-alcoólatra, ela lidera o programa Ametalk!, voltado exclusivamente a mulheres que enfrentam o vício em álcool.

“Precisamos de um espaço onde as mulheres possam falar de seus problemas e rir juntas, sem julgamentos”, diz Usui. O grupo, sediado no Hospital Sanko, na cidade portuária de Takamatsu, reúne semanalmente mulheres em recuperação, que trocam experiências, desabafam e encontram apoio mútuo.

A escolha pelo nome Ametalk! — uma alusão ao programa de comédia japonês e à pedra ametista, que simboliza sobriedade — reflete a tentativa de quebrar o estigma que ainda cerca o alcoolismo feminino no Japão. O vício ainda é socialmente associado aos homens, o que leva muitas mulheres a esconderem seus hábitos e a demorarem a buscar ajuda.

“Eu abria as latas de bebida quando o trem passava perto de casa, só para meu marido não ouvir”, contou uma das participantes. Outra revelou que evita grupos mistos de alcoólatras, onde se sente constrangida: “Não consigo dizer que fico tão bêbada a ponto de perder o controle da bexiga”.

Dados do Ministério da Saúde do Japão apontam que 9,5% das mulheres bebem em níveis que aumentam o risco de doenças crônicas — um número em alta constante na última década. Em 2021, cerca de 108 mil pacientes foram tratados como dependentes de álcool no país, mas poucos programas são adaptados às necessidades específicas do público feminino.

Especialistas alertam que fatores hormonais tornam as mulheres mais suscetíveis ao alcoolismo em menor prazo. Além disso, muitas enfrentam pressões simultâneas do mercado de trabalho, da vida doméstica e de traumas pessoais — como depressão, distúrbios alimentares e abusos.

Shun Umino, diretor do Hospital Sanko, atribui parte do crescimento do problema à maior inserção da mulher no mercado de trabalho e ao marketing agressivo de bebidas voltado ao público feminino desde os anos 2000. Para ele, o tratamento precisa considerar as diferenças de gênero: “Para alcançar a recuperação, é essencial reconhecer essas distinções e combater o preconceito em torno do vício”.

Hoje, quatro anos sóbria, Usui acredita que criar espaços seguros e acolhedores é a chave para a reabilitação. “O vício não pode ser superado sozinho. Este grupo é para mulheres que não tinham outra saída além da bebida, e agora podem recomeçar sem culpa”, afirma.