Mesmo cobrado a renunciar, Shigeru Ishiba aposta no acordo tarifário EUA‑Japão e convoca plenária do PLD enquanto avalia seu futuro.
O primeiro‑ministro Shigeru Ishiba enfrenta forte pressão interna no Partido Liberal Democrático (PLD) para deixar o cargo após a terceira derrota eleitoral consecutiva, mas decidiu permanecer “por ora” à frente do governo e da sigla. A derrota de 20 de julho na Câmara Alta completou a perda de maioria nas duas Casas da Dieta, situação inédita para o PLD desde 1955, e acentuou a divisão interna.
Na segunda‑feira (28), em uma longa reunião que reuniu executivos e parlamentares, cerca de 80% dos oradores pediram a renúncia do líder. Ainda assim, Ishiba afirmou que tomará uma “decisão apropriada” após ouvir as opiniões e evitar um vácuo de poder. Ele condiciona sua permanência imediata à implementação do acordo tarifário com os EUA, que reduz a 15% tarifas antes previstas em 25% e afeta cerca de 4,3 mil itens da indústria doméstica.

Para responder ao clamor interno, a direção do PLD decidiu convocar uma Reunião Plenária Conjunta das duas bancadas, atendimento a um movimento de deputados jovens e de meio escalão que coletam assinaturas para antecipar discussões sobre a liderança. O secretário‑geral Hiroshi Moriyama disse que a plenária ouvirá os parlamentares e que o comitê eleitoral da sigla poderá tratar de eventual antecipação da eleição presidencial do partido, embora admita a complexidade do tema. Um painel para avaliar oficialmente os resultados da eleição da Câmara Alta deve apresentar relatório até meados de agosto.
Calendário e estratégia de sobrevivência
Aliados de Ishiba lembram que agosto é carregado de compromissos de Estado: as cerimônias dos 80 anos do fim da Segunda Guerra, os memoriais de Hiroshima (6/8) e Nagasaki (9/8), o Dia dos Mortos de Guerra (15/8), o recesso do Bon e, na sequência, a recepção de líderes africanos para a TICAD (20 a 22/8). Passado agosto, qualquer troca na chefia tende a esbarrar na proximidade da sessão de outono do Parlamento.
Oposição fortalecida e dilema do sucessor
A crise do PLD ocorre em cenário de fragmentação: na eleição de 20 de julho, a legenda e o parceiro Komeito ficaram três cadeiras aquém da maioria na Câmara Alta, repetindo a perda da Câmara Baixa em 2024. A direita populista Sanseito saltou de 1 para 15 cadeiras com agenda antimigração e defesa de “Japanese First”, enquanto o Partido Democrático para o Povo (DPP) também avançou. Rivais internos como Sanae Takaichi e Toshimitsu Motegi criticam Ishiba e tentam se viabilizar, mas não há consenso em torno de um único nome.

Mesmo que um adversário vença a presidência do PLD, não há garantia de receber os votos necessários na Dieta para virar primeiro‑ministro: a sigla governa em minoria e precisaria do apoio de ao menos um grande partido de oposição, o que exigiria negociações complexas antes da sessão de outono. A possibilidade de uma moção de desconfiança também está no radar da oposição.
Opinião pública dividida e pressão externa
Pesquisas recentes mostram o país dividido: levantamentos indicam que parte relevante dos eleitores não exige a saída imediata, embora a avaliação do gabinete oscile na casa dos 20%–30% e a desaprovação siga elevada. A ascensão da Sanseito preocupa minorias e mobiliza entidades civis, após falas consideradas discriminatórias durante a campanha.
No plano externo, China e Rússia observam a turbulência: comentaristas chineses apontam incerteza e preveem continuidade da política externa, enquanto veículos russos celebraram a eleição de figuras próximas a Moscou e falaram em possível “diversificação” da diplomacia japonesa. Já a Coreia do Sul enfatizou a continuidade e a cooperação trilateral com EUA diante das ameaças da Coreia do Norte.
O que vem a seguir?
Enquanto o PLD realiza sua pleníria e conclui a autópsia eleitoral, Shigeru Ishiba insiste em implementar o acordo tarifário EUA‑Japão e acalmar os mercados e setores afetados. A dúvida é se ele resistirá até a sessão de outono ou se a pressão interna, somada ao avanço de rivais, levará a uma transição negociada que, por si só, não garante estabilidade ao governo nem ao próprio PLD.