Kiyo Shinagawa, professora aposentada e sobrevivente da radiação em Hiroshima, compartilha suas memórias e conselhos 80 anos após o fim da Segunda Guerra
Com o passar dos anos, torna-se cada vez mais raro ouvir relatos diretos de quem viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial. Uma dessas vozes que ainda resiste ao tempo é a da japonesa Kiyo Shinagawa, de 105 anos, que vive hoje em um centro de cuidados na cidade de Kobe. Ela conversou recentemente com o jornal japonês Mainichi Shimbun e compartilhou lembranças e reflexões sobre a guerra e a vida.
Shinagawa nasceu em 1920, em Osakikamijima, uma ilha da atual de Hiroshima. Foi a caçula de seis irmãos e passou a infância no interior. Ainda jovem, mudou-se com a família para Hiroshima, onde estudou e se formou em economia doméstica. Tornou-se professora e trabalhou em escolas durante e depois da guerra.
No dia 6 de agosto de 1945, quando os Estados Unidos lançaram a bomba atômica sobre Hiroshima, Kiyo tinha 25 anos e trabalhava como professora na cidade de Kure, também em Hiroshima. Dias depois, ela entrou na cidade devastada em busca de sua irmã mais velha, que morava na região. Infelizmente, não conseguiu encontrá-la.
Quando questionada sobre o que viu ao chegar em Hiroshima, ela respondeu com um silêncio breve e disse apenas:
“Parecia um sonho.”
Lembranças e ensinamentos de uma vida longa
Após a guerra, Kiyo se mudou para Kobe, onde moravam seus irmãos, e continuou trabalhando como professora até se aposentar. Ela lembra com carinho dos tempos em que ensinava costura à mão e com máquina de costura aos alunos do ensino médio.
“As alunas eram mais unidas do que eu. Eu só explicava o que estava no livro”, contou com um sorriso no rosto.
Ao ser questionada sobre como evitar futuras guerras, ela refletiu com sabedoria:
“Se você nasce naquela época, tem que viver. As brigas acontecem quando têm que acontecer. O jeito é seguir com a sociedade ‘de forma suave’.”
Mas ela também deixou claro que seguir a sociedade não significa perder a própria consciência:
“Você precisa manter sua própria identidade. O importante é saber quando é possível seguir os outros e quando é preciso dizer: ‘Não vamos fazer isso’. Mesmo que não tenha escolha, continue observando.”
Ao final da entrevista, Shinagawa olhou diretamente para o repórter, de 30 anos, e disse com firmeza:
“Se você tem 30 anos, tudo ainda está começando. Viva com toda a sua força o destino que lhe foi dado.”
Suas palavras simples, porém profundas, são um lembrete valioso para gerações mais jovens: preservar a memória do passado, refletir sobre as escolhas no presente e viver com consciência no futuro.
Num mundo ainda marcado por guerras e conflitos, o testemunho de Kiyo Shinagawa é mais do que uma memória — é um chamado à lucidez e à humanidade.