Vítima de esterilização forçada no Japão transforma dor em arte e luta por direitos humanos

Aos 82 anos, Saburo Kita cria flores de papel para manter viva a memória das vítimas da antiga lei eugenista japonesa e pede que o erro nunca se repita.

As delicadas flores de papel criadas por Saburo Kita, de 82 anos, representam mais do que arte: são um símbolo de resistência e memória. Esterilizado à força quando tinha apenas 14 anos, sob a antiga lei eugenista do Japão, Kita encontrou na arte uma forma de expressar a dor e transformar o trauma em esperança.

Hoje, suas criações são oferecidas como presentes de gratidão às pessoas que o apoiaram ao longo de uma vida marcada por discriminação e silêncio.

Um passado de dor e injustiça

Entre 1948 e 1996, a Lei de Eugenia japonesa autorizava a esterilização de pessoas com deficiências intelectuais, transtornos mentais ou doenças hereditárias, sob o argumento de evitar o nascimento de “descendentes inferiores”.

De acordo com o governo, cerca de 25 mil pessoas foram esterilizadas, sendo 16,5 mil sem consentimento — um dos episódios mais sombrios da história dos direitos humanos no Japão pós-guerra.

Kita, que viveu parte da juventude em uma instituição de acolhimento infantil, aprendeu ali a arte de fazer flores de papel — uma habilidade que hoje o acompanha como forma de cura e expressão.

Ele revelou o segredo de sua esterilização apenas pouco antes da morte da esposa, chamando o fato de “um segredo doloroso”.

Reconhecimento e luta por conscientização

Em 2024, após uma longa batalha judicial, Kita e outras vítimas venceram no Supremo Tribunal do Japão. O governo se desculpou oficialmente e prometeu indenização e medidas de prevenção.

Com a compensação recebida, Kita fez sua primeira viagem internacional, participando de um evento nas Nações Unidas, em Nova York, sobre os direitos das pessoas com deficiência. Lá, ele compartilhou sua história e foi aplaudido ao afirmar:

“Espero que o Japão, e o mundo inteiro, se tornem lugares onde as pessoas possam decidir sobre seus próprios direitos reprodutivos.”

A Japan Disability Forum (JDF), que organiza o movimento, promete continuar levando a pauta da esterilização forçada ao debate internacional.

Ecos globais e tabus persistentes

Segundo o ativista Osamu Nagase, membro da JDF, esterilizações forçadas ainda ocorrem em alguns países, muitas vezes por meio de sistemas de tutela que restringem os direitos de pessoas com deficiência.
Ele afirma que o caso japonês deve servir de alerta mundial contra a repetição de práticas desumanas disfarçadas de “tratamento” ou “proteção”.

No Japão, o tema ainda é tabu, por envolver sexualidade, deficiência e direitos reprodutivos, mas vítimas e ativistas insistem em manter o assunto visível.

Flores de papel como símbolo de superação

Em setembro, Kita realizou uma exposição em Tóquio, apresentando suas flores de ameixeira, cerejeira e hortênsia, feitas com papel colorido em tons de rosa, azul e branco.
Ele também levou um buquê de flores artificiais aos Estados Unidos, presenteando uma organização internacional de direitos das pessoas com deficiência.

“Foi meu sonho”, contou emocionado sobre a mostra. “As flores me lembram que a vida ainda pode florescer, mesmo depois da dor.”

Kita espera que sua arte continue inspirando outros sobreviventes e levando mensagens de dignidade e liberdade ao mundo.

“Quero que mais pessoas sejam salvas da eugenia”, disse. “Que nunca mais isso aconteça a ninguém.”