Corte de fundos do governo Trump paralisa pesquisas médicas, causa demissões e ameaça décadas de avanços científicos
Pesquisas de ponta realizadas na Universidade de Harvard estão congeladas — literalmente. O professor Alberto Ascherio, referência em epidemiologia e nutrição, mantém milhões de amostras de sangue de soldados dos EUA guardadas em nitrogênio líquido. Mas desde que a universidade perdeu US$ 7 milhões em verbas federais, ele está impedido de seguir com seus estudos sobre esclerose múltipla e doenças neurodegenerativas.
“É como construir um telescópio de última geração e não ter como lançá-lo”, lamentou Ascherio. “Estávamos prontos para fazer descobertas que podem mudar vidas. E, de repente, tudo parou.”
O corte é parte de uma disputa entre a administração Trump e universidades como Harvard, Columbia e Brown. Só Harvard perdeu cerca de US$ 2,6 bilhões em financiamento federal, atingindo áreas que vão de pesquisas sobre câncer até dependência de opioides. Jovens cientistas foram demitidos, laboratórios fechados e anos de trabalho arquivados.
A paralisação é consequência de um embate envolvendo acusações de antissemitismo no campus. O governo exigiu mudanças severas em políticas acadêmicas, protestos e admissões, alegando que Harvard se tornou um centro de “liberalismo radical” que tolera o preconceito contra judeus. A universidade se recusou a ceder completamente, afirmando em processo judicial que rejeita qualquer forma de discriminação, mas que não abrirá mão de sua independência institucional.
Enquanto a disputa legal continua, pesquisadores enfrentam o risco de nunca retomar seus trabalhos. A professora Rita Hamad perdeu três grandes bolsas que totalizavam US$ 10 milhões, que financiavam estudos sobre desigualdade social, saúde mental e demência. “É frustrante. É como assistir anos de conhecimento sendo perdidos”, disse.
Na Escola de Saúde Pública, 190 bolsas foram canceladas, afetando diretamente 130 cientistas. John Quackenbush, especialista em biologia computacional, também foi atingido. Ele perdeu financiamento para um estudo sobre o papel do sexo biológico em doenças e viu quatro bolsas de US$ 24 milhões — que financiavam a formação de doutores — serem canceladas. “Mesmo que a verba volte, será que conseguimos reiniciar tudo?”, questionou.
Mesmo entre os afetados, há divisões. A psicobióloga Bertha Madras, que perdeu verba para um programa de prevenção ao uso de opioides, disse que algumas áreas da universidade precisavam mesmo de reformas. Porém, ela criticou o uso da ciência como moeda de troca política. “Sacrificar a ciência é um risco grave. A pesquisa é um dos pilares da força dos EUA.”
Harvard tentou reagir, prometendo US$ 250 milhões próprios para manter pesquisas, mas o reitor Alan Garber alertou que “decisões difíceis” estão por vir. O congelamento das verbas representa um golpe na parceria histórica entre governo e universidades, que por décadas sustentou a liderança científica dos EUA.