Aos 97 anos, Tatsukuma Ueno conta como a juventude, a guerra e a obediência quase o levaram à morte certa em 1945
O ex-piloto Tatsukuma Ueno, hoje com 97 anos, viveu um momento decisivo há exatos 80 anos, quando o imperador Hirohito anunciou a rendição do Japão, encerrando a Segunda Guerra Mundial. Na época, Ueno era um jovem soldado de 17 anos, treinado para voar em missões kamikaze, onde pilotos japoneses eram enviados para morrer ao colidir seus aviões com alvos inimigos.
Na base aérea de Tachiarai, em Fukuoka, ele esperava a qualquer momento ser convocado para uma missão sem volta. No entanto, por estar se recuperando de uma grave malária, ele só soube do fim da guerra algumas horas após o famoso discurso do imperador, em 15 de agosto de 1945.
“Minha mente ficou completamente vazia”, lembra Ueno, em entrevista recente em Saitama. “Eu estava pronto para morrer. De repente, viver se tornou a realidade. Fiquei atordoado.”
Uma juventude marcada pela guerra
Ueno nasceu em 1928 e passou parte da infância na China ocupada pelo Japão. Após a morte do pai, decidiu entrar na escola da força aérea para aliviar o peso financeiro da família. Seu treinamento como piloto foi acelerado por causa da escassez de soldados, e aos 17 anos já praticava manobras de mergulho com bombas, preparatórias para ataques suicidas.
Em 1945, ele e outros jovens receberam um papel com três opções: “desejo ardente”, “estou disposto” ou “recuso” participar de missões kamikaze. Ninguém recusou. Ueno, como os demais, respondeu que estava disposto a morrer.
“Eu era jovem, não pensava muito. Só me perguntava como seria morrer”, contou.
Quase convocado para morrer
Apesar de não ter sido escolhido para uma missão suicida — por falta de pilotos treinados — Ueno foi designado como instrutor e transportador de aviões kamikaze. Em uma dessas viagens, quase morreu ao perder o controle da aeronave sobre as montanhas de Suzuka.
“Vi o rosto da minha mãe e da minha irmã. Achei que aquele era o fim”, disse.
Em 14 de agosto de 1945, ele foi informado de que deveria se preparar para decolar. Nenhuma ordem chegou. No dia seguinte, o Japão se rendeu.
Reconstrução e memória
Depois da guerra, Ueno voltou a estudar e trabalhou na construção civil, ajudando a reconstruir o país. Casou-se, teve filhos, netos e bisnetos. Na velhice, começou a esculpir estátuas de Buda e, mais recentemente, passou a contar sua história.
Ele participa anualmente de homenagens aos pilotos kamikaze no Museu da Paz Bansei Tokko, no sudoeste do Japão. Para ele, lembrar dos colegas que morreram não é obrigação, mas um gesto de amor.
“Fomos companheiros. Comemos juntos, treinamos juntos. Eles estavam preparados para morrer, mas isso não significa que queriam morrer”, afirmou.
O número de sobreviventes da guerra diminui a cada ano. Para Ueno, as memórias que carrega mostram que a guerra, apesar de parecer distante, ainda ecoa nas histórias que precisam ser contadas.