Casos de interrogatórios baseados em aparência geram protestos e ações judiciais; pesquisas mostram desigualdade no tratamento policial.
Moradores do Japão com raízes estrangeiras começaram a denunciar publicamente a discriminação racial sofrida em abordagens policiais. Alguns já levaram os casos aos tribunais, enquanto ativistas alertam que mudanças podem demorar, devido à aparente indiferença da população japonesa.
A prática de interrogar pessoas com base na aparência, sem motivo claro, já ocorria há anos no país, segundo defensores de direitos civis, mas só recentemente começou a ganhar visibilidade na mídia e nas redes sociais.
Um dos rostos dessa mobilização é Zain Syed, de 27 anos, cidadão japonês naturalizado, filho de pais paquistaneses. Ele afirma ter sido parado pela polícia mais de 15 vezes, mesmo sem histórico criminal. “Não estou dizendo que a polícia japonesa não deva interrogar cidadãos, incluindo aqueles com aparência estrangeira, mas quero entender a lógica por trás disso”, disse ele, ao comentar os interrogatórios frequentes nas ruas.
Em janeiro de 2024, Syed se uniu a dois outros homens para abrir um processo civil contra a polícia da província de Aichi, a Polícia Metropolitana de Tóquio e o Estado japonês, pedindo 3,3 milhões de ienes de indenização por pessoa. O grupo alega que sofreu interrogatórios motivados por discriminação racial, sem justificativa legal suficiente.
Syed contou que chegou ao Japão aos 8 anos e se naturalizou aos 13. Apesar de ser oficialmente japonês, diz que frequentemente é tratado como estrangeiro. Após publicar um relato no Twitter em 2019, recebeu apoio de muitos na mesma situação, o que o motivou a seguir com a ação.

Maurice Shelton, afro-americano de 42 anos que vive no Japão desde 2010, também participa do processo. Ele diz já ter sido interrogado pelo menos 17 vezes e questiona se sua aparência justifica esse tratamento. “Vim ao Japão para fugir do racismo nos EUA. Não quero ver o Japão seguir o mesmo caminho”, afirmou.
Segundo uma pesquisa divulgada em fevereiro de 2025, feita pelos advogados do caso, 71% dos estrangeiros entrevistados afirmaram já ter sido interrogados pela polícia em vias públicas nos últimos cinco anos, 5,6 vezes mais que os japoneses. A pesquisa ouviu 422 estrangeiros e 521 japoneses que vivem no Japão há pelo menos cinco anos, excluindo pessoas da Ásia Oriental por conta da semelhança física com os japoneses.
Apesar disso, a taxa de criminalidade entre japoneses e estrangeiros é praticamente a mesma, segundo dados oficiais de 2020. Naquele ano, 0,15% da população total, incluindo estrangeiros, foi investigada por suspeita de crimes.
A fundadora do movimento Japan for Black Lives, Naomi Kawahara, também atua contra a discriminação racial no Japão. Ela ficou conhecida após divulgar um vídeo, em 2021, onde um policial dizia: “muitas pessoas com dreadlocks carregam drogas”. A fala gerou indignação e se tornou viral nas redes sociais.
O caso chamou atenção da Embaixada dos EUA no Japão, que em dezembro daquele ano publicou um alerta aos cidadãos americanos sobre abordagens discriminatórias da polícia japonesa. A repercussão levou a Agência Nacional de Polícia a emitir um aviso a todas as unidades do país, recomendando que os policiais não baseiem abordagens apenas na aparência física ou vestuário.
Em 2022, a agência identificou seis casos de discriminação confirmada em quatro províncias diferentes, onde policiais alegaram razões como “é raro um estrangeiro dirigir um carro” ou “pessoas com dreadlocks usam drogas”.
Como parte de uma tentativa de aumentar a transparência, a polícia japonesa começou a testar o uso de câmeras corporais durante abordagens em locais públicos.
Apesar dos avanços pontuais, o debate público ainda é limitado. Comentários recentes do Ministro da Justiça, Keisuke Suzuki, sobre novas medidas de controle de imigração aumentaram a preocupação de ativistas, que os consideraram incentivadores de atitudes discriminatórias. “A ansiedade pública está crescendo contra estrangeiros que não seguem as regras”, disse Suzuki, sem esclarecer a base para a afirmação.
Para Kawahara, o crescimento do número de turistas e a discussão sobre “excesso de turismo” estão levando muitos japoneses a aceitar medidas de vigilância que atingem principalmente pessoas com aparência estrangeira. “Alguns dizem que é paranoia ou que, se você não tem nada a esconder, deve deixar a polícia te parar”, disse.
“Mas só com empatia e diálogo com quem tem raízes estrangeiras vamos conseguir combater a discriminação”, concluiu.