102 anos após o Grande Terremoto de Kanto, templo em Yokohama homenageia vítima coreana desconhecida morta por boatos racistas.
Em 1º de setembro, o Japão marcou 102 anos desde o Grande Terremoto de Kanto, que devastou a região em 1923. Em meio ao caos pós-desastre, milhares de coreanos que viviam no país foram mortos após a disseminação de boatos falsos. Até hoje, cerimônias em homenagem às vítimas continuam a ser realizadas em várias partes do Japão.
Neste ano, no dia 3 de setembro, o templo budista Nichiren Zengyouji, no bairro Naka de Yokohama, realizou pela primeira vez uma cerimônia memorial dedicada a um homem coreano desconhecido que foi morto na frente do templo, 102 anos atrás. A pergunta que muitos se fazem é: por que isso está acontecendo só agora?
O templo Zengyouji fica em uma área residencial tranquila, próxima à Estação JR Yamate. No local, uma multidão enfurecida matou um homem coreano após o terremoto. Na época, circularam boatos infundados de que “coreanos haviam envenenado os poços” e estavam “iniciando motins”, o que levou a massacres cometidos por civis, policiais e militares. Um relatório oficial de 2009 estima que de 1% a vários por cento das cerca de 105 mil mortes após o desastre foram causadas por esses ataques.
Durante muito tempo, apenas dois nomes de coreanos mortos em Kanagawa estavam registrados oficialmente. Porém, em 2013, um documento raro foi descoberto em um sebo pelo historiador Kang Deok-sang. O material, supostamente produzido pelo governo da cidade, relatava a morte de 145 coreanos entre 2 e 4 de setembro de 1923.
A ex-professora primária Sumiko Yamamoto, de 86 anos, ficou profundamente impactada ao ler um relato de um estudante sobre o massacre. Desde então, ela tem pesquisado o tema e publicou, em 2023, um livro com base no documento redescoberto, intitulado “Prefeitura de Kanagawa: Materiais sobre o massacre de coreanos após o Grande Terremoto de Kanto”.
Yamamoto e colegas investigaram as mortes listadas no documento e visitaram os locais onde ocorreram os crimes. Em muitos casos, ao entrar em contato com escolas e comunidades para falar do massacre ou sugerir cerimônias, tiveram suas ligações interrompidas ou os pedidos negados.
O crime em frente ao templo Zengyouji é descrito no material como ocorrido por volta das 15h de 2 de setembro. A vítima foi acusada de forma racista por ser coreana e morta pela multidão. Seu nome, idade ou endereço nunca foram identificados, apenas que parecia ser um trabalhador.
Ao ser informado do caso por Yamamoto neste ano, o monge responsável pelo templo, Chisho Nadakami, de 58 anos, disse nunca ter ouvido falar do ocorrido: “Fiquei chocado ao saber de um acontecimento tão trágico tão perto daqui. É nosso dever acalmar o espírito de quem perdeu a vida injustamente.”
A cerimônia aconteceu no templo Zengyouji às 10h30 do dia 3 de setembro, organizada por um grupo de cidadãos liderado por Yamamoto. Outro memorial será realizado no Cemitério Municipal Kuboyama, no bairro Nishi de Yokohama, no dia 6 de setembro, às 10h.
Yamamoto faz um alerta sobre os riscos da intolerância: “Uma sociedade que permite a discriminação pode repetir massacres. Isso não pode voltar a acontecer. Se os coreanos mortos não tivessem passado por isso, talvez tivessem morrido em paz, cercados pela família em sua terra natal. Precisamos preservar e refletir sobre seus testemunhos de vida.”