A Mulher no Poder: A Primeira Ministra do Japão Sanae Takaichi e o Paradoxo do Feminismo Conservador

A ascensão de Sanae Takaichi ao posto de Primeira-Ministra do Japão é um marco histórico, mas gera um intenso debate sobre igualdade de gênero e o futuro da mulher na política e no mercado de trabalho japonês.

A nomeação de Sanae Takaichi como a primeira mulher a assumir o cargo de Primeira-Ministra do Japão é celebrada como um momento histórico, rompendo um “teto de vidro” em um cenário político dominado por homens. Contudo, sua chegada ao topo do poder, após derrotar quatro candidatos homens na disputa pela presidência do Partido Liberal Democrata (PLD), é vista por especialistas e trabalhadoras como um paradoxo que mescla o avanço feminino com o conservadorismo de linha dura.

O Debate sobre Gênero e Conservadorismo

Especialistas em política e questões de gênero veem grande significado no fato de o PLD ter aceito uma mulher para liderar o país. No entanto, há preocupações sobre a prioridade que Takaichi dará à igualdade de gênero e diversidade.

Shin Ki-young, professora de política e gênero da Universidade Ochanomizu de Tóquio, aponta que Takaichi não apoiou a introdução de um sistema que permitiria a casais escolherem sobrenomes separados, uma questão fundamental para a autonomia das mulheres no Japão.

A ascensão de Takaichi, uma política conservadora, é interpretada por Keiko Kaizuma, professora de estudos de gênero da Universidade de Iwate, como um “híbrido de feminismo e conservadorismo”. Kaizuma argumenta que Takaichi encarna as contradições da “era das mulheres” no Japão. Sua sobrevivência e sucesso na política, em um contexto que valoriza o conservadorismo e posições de linha dura, representam uma estratégia de substituição das estruturas tradicionais de apoio ou especialização em políticas femininas.

Para a professora Kaizuma, o fato de uma política conservadora ter quebrado o teto de vidro antes dos liberais, que há muito defendem a igualdade de gênero, é um ponto que a ala liberal deve analisar, questionando a estrutura que permitiu a ascensão de mulheres com esse perfil.

Keiko Kaizuma, vice-presidente da Universidade de Iwate (Imagem via Asahi)

A Controvérsia do Work-Life Balance

A controvérsia em torno da Primeira-Ministra aumentou após uma de suas primeiras declarações como líder do PLD. Takaichi afirmou que “jogaria fora a frase work-life balance (equilíbrio entre trabalho e vida pessoal)”, dizendo que ela mesma “trabalharia, trabalharia e trabalharia” e que faria os membros do PLD trabalharem como “cavalos de trabalho”.

Embora Takaichi tenha tentado amenizar as declarações no dia seguinte, encorajando o público a valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, a repercussão foi imediata, especialmente entre as mulheres trabalhadoras.

Uma pesquisa online, realizada logo após a controvérsia pelo site “Woman type” com 100 mulheres trabalhadoras entre 20 e 49 anos, revelou uma divisão de opiniões:

  • 53% das entrevistadas viram as declarações de Takaichi de forma positiva, motivadas principalmente por:
    • 46%: “É meramente uma declaração pessoal de sua determinação, e sua atitude de trabalhar de coração pelo público é maravilhosa.”
    • 31%: “Mostra sua seriedade em relação ao trabalho.”
  • 29% das entrevistadas viram as declarações de forma negativa, com as principais preocupações sendo:
    • 35%: “Para a principal líder da nação fazer tais comentários, isso pode levar a um aumento de empresas que desconsideram o work-life balance.”
    • 31%: “O país inteiro pode retroceder aos tempos em que o work-life balance não era levado a sério.”

Muitas trabalhadoras que reagiram negativamente temem que a fala de Takaichi, devido ao peso do cargo, possa justificar longas jornadas de trabalho e reforçar a ideia de que, para mulheres alcançarem a liderança, elas devem trabalhar nos mesmos moldes dos homens, sacrificando a vida pessoal.

Expectativas para a Primeira Líder Mulher

Apesar de a liderança ser feminina, a jovem diretora criativa Asako Tsuji, de 29 anos, ressaltou que a dominância geral dos homens no mundo político não mudou. Ela expressou a esperança de que o PLD e os partidos de oposição façam um esforço “para permitir que mulheres jovens se tornem líderes em assembleias locais”.

Hisa Anan, 75, que foi comissária da Agência de Assuntos do Consumidor (CAA) em 2012, expressou preocupação sobre se a nova Primeira-Ministra implementará políticas que ajudem as mulheres. Ela destacou que o movimento pela igualdade feminina é global: “Espero que ela responda às expectativas mantidas pelas mulheres e pelo público em geral sobre a primeira Primeira-Ministra.”

O desafio de Sanae Takaichi, portanto, será navegar entre sua base conservadora e as amplas expectativas da sociedade japonesa por reformas que promovam a diversidade e um ambiente de trabalho mais equilibrado, provando que sua ascensão não é apenas um símbolo, mas um motor de mudança para todas as mulheres no Japão.

Com informações via Asahi Shimbun e Mainichi Shimbun