Entre a inocência fabricada e a moral seletiva, o caso de chantagem em Shinjuku expõe o lado sombrio da vida noturna no Japão.

Por: CE Rodrigues
Mais um caso de chantagem virou manchete nos jornais nipônicos. Em Shinjuku, na capital nipônica, oito jovens foram presos depois de espancar e roubar um homem estrangeiro. A vítima, de cinquenta anos, havia sido abordada por uma garota oferecendo serviços sexuais. Ele aceitou. Minutos depois, a jovem fugiu e, em seguida, um grupo o cercou, agrediu e levou cerca de um milhão de ienes. A desculpa? Iriam contar à polícia que ele havia entrado num hotel com uma menor de idade.
Até aí, parece roteiro de crime urbano. Mas há algo mais incômodo por trás disso:
Primeiro: Se a menina era menor, o que fazia na rua, sozinha, à noite?
Segundo: Que história é essa de uma jovem abordar um homem oferecendo sexo pago?
E por último, não menos importante e o mais curioso até: Como os agressores sabiam da idade dela? Cúmplices, por acaso?
Essas perguntas ficam no ar, e ninguém parece interessado em respondê-las. O discurso jurídico no Japão costuma ser rápido em apontar o dedo para o “homem perverso”, mas raramente questiona o contexto que permite que uma adolescente ande por Kabukichō, ou por vários distritos da luz vermelha no país, vendendo o próprio corpo e que grupos se organizem para explorar esse mesmo cenário.
O Japão tem uma cultura ambígua quando o assunto é juventude e sexualidade. O país vende inocência como estética: idols que falam como crianças, atrizes que se comportam como personagens de anime, uma obsessão com o “kawaii” que borra qualquer distinção entre o adulto e o infantil. E nesse ambiente, é fácil confundir aparência com maturidade.
Isso não justifica quem busca menores, só pra deixar claro. Há criminosos predadores, e há vítimas claras, e esses primeiros merecem repúdio, punição e tratamento sério. Pois se tem algo que é notório também no país, são justamente casos de exploração sexual contra as mulheres no Japão, independente da idade.
Mas há também um número crescente de casos onde a fronteira entre crime e armadilha é bem nítida aos olhos de quem observa. Onde um erro de julgamento se transforma em chantagem e a vergonha social pesa mais que a verdade.
Se você até agora não entendeu a razão desta coluna, vamos explicar sem rodeios: Imagine que você está em Tóquio ou em qualquer cidade japonesa com vida noturna agitada. De repente, uma garota desconhecida se aproxima, puxa conversa e começa a flertar, exatamente como aconteceu com a vítima. A interação evolui, ela o convida para um hotel, desses de curta permanência, não de hospedagem.
Pouco depois, surge alguém que estava observando tudo de longe. Essa pessoa se aproxima com arrogância, exibe fotos suas com a garota e começa a ameaçar: vai denunciar você à polícia, dizendo que estava com uma menor de idade.
Sem tempo para reagir, você se vê encurralado. Ou paga uma quantia alta para “comprar o silêncio”, ou acaba preso. E quando a polícia chega, o que importa é o ato, não o contexto: se houve coação, chantagem ou armadilha, pouco interessa.
Casos assim não são isolados. Há um número crescente de pessoas que foram presas após situações idênticas, principalmente em um país onde notícias de crimes sexuais envolvendo menores se repetem com frequência. Mas que várias vezes, houve casos onde não se distinguiu o culpado do enganado.
Em outras palavras, um convite à reflexão sobre segurança e discernimento.
Sobre o desfecho: dos oito que foram detidos, seis disseram em depoimento que “não bateram ou não roubaram”, um não quis responder, mas o último confessou tudo, e é por isso que a prisão em Shinjuku soa, por uma vez, como um final justo. E pasmem, raro, num país que tende a proteger aparências antes de investigar contradições. Casos que terminam desta forma são de um em um milhão.
Tanto o sistema policial, quanto o judiciário no Japão, ainda precisam aprender a olhar para as nuances e entender que nem todo caso é igual, a pressa em julgar também pode produzir vítimas. Como já foi feito por várias e várias vezes e que nunca houve retratação por parte das autoridades e dos acusadores, quando foi provado o contrário do que dizia, mesmo depois de já ter sido tarde demais.
