Governo do Japão avalia legalizar uso do sobrenome de solteiro após o casamento

Proposta busca facilitar a vida de mulheres no mercado de trabalho, mas não inclui opção de sobrenomes diferentes para casais, medida defendida por setores da sociedade

O governo japonês estuda apresentar ao Parlamento, no próximo ano, um projeto de lei para legalizar o uso do sobrenome de solteiro após o casamento, segundo informou uma fonte oficial nesta quarta-feira. A medida substituiria a ideia de criar uma legislação que permita aos casais manterem sobrenomes separados, tema que divide opiniões no país.

No Japão, a lei exige que os cônjuges adotem o mesmo sobrenome após o casamento. O governo da primeira-ministra Sanae Takaichi espera que a legalização do uso do nome de solteiro incentive maior aceitação por bancos, empresas e demais instituições, especialmente à medida que mais mulheres permanecem na força de trabalho utilizando seus sobrenomes profissionais.

Atualmente, documentos oficiais como carteiras de motorista e passaportes já permitem a inclusão do sobrenome anterior. Mesmo assim, cerca de 30% dos bancos ainda recusavam abrir contas com o nome de solteiro em 2022, alegando riscos de lavagem de dinheiro, segundo dados do governo.

O projeto, que deve ser submetido na sessão regular do Parlamento, não atende às crescentes pressões de empresários e partidos — incluindo o oposicionista Partido Democrático Constitucional — para permitir que casais escolham manter sobrenomes distintos após o casamento.

Conservadora e primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do Japão, Takaichi tem sido cautelosa quanto à adoção de sobrenomes separados. Parte dos integrantes de seu Partido Liberal Democrata (PLD) teme que a mudança prejudique a coesão familiar e valores tradicionais.

O vice-secretário-chefe do Gabinete, Kei Sato, afirmou em entrevista que o plano de enviar o projeto no próximo ano integra o acordo firmado em outubro entre o PLD e o Partido da Inovação do Japão. “Com base no acordo, o governo está conduzindo as discussões necessárias em coordenação com os parlamentares da base”, disse.

Questionado sobre a possibilidade de permitir que casais escolham o sobrenome do marido ou da esposa, Sato ressaltou a necessidade de considerar a opinião pública e o andamento das discussões no Parlamento.

A questão é uma das mais polêmicas do país. O Ministério da Justiça afirma desconhecer outro país que exija, por lei, que casais adotem um sobrenome único. Dados do governo mostram que, em 2024, em 94% dos casamentos, a esposa adotou o sobrenome do marido.

A ONU, por meio do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, já pediu diversas vezes que o Japão revise essa exigência.

Líderes empresariais também pressionam por mudanças, defendendo que a obrigatoriedade do sobrenome único prejudica mulheres que continuam a usar o nome de solteiro no trabalho e enfrentam dificuldades para abrir contas bancárias ou solicitar cartões de crédito.

Em maio, o Parlamento japonês realizou suas primeiras discussões em 28 anos sobre a possibilidade de permitir sobrenomes diferentes para casais, mas o projeto não chegou a ser votado antes do fim da sessão, em junho.

A questão já chegou aos tribunais. O Supremo Tribunal do Japão decidiu, em 2015 e 2021, que a exigência de um único sobrenome para casais é constitucional — embora uma parte dos ministros tenha considerado a restrição inconstitucional em ambas as ocasiões.